NR1 e Riscos Psicossociais: Avanço da Saúde Ocupacional no Brasil
- Rafaela Ussier

- 14 de jul.
- 6 min de leitura

Introdução: A Inevitável Convergência entre Legislação e Bem-Estar Psicológico no Trabalho
A saúde mental no ambiente de trabalho consolidou-se como um tema central no cenário global e nacional em 2025, transcendendo a esfera individual para se tornar uma preocupação estratégica para as organizações. Historicamente, a segurança e saúde no trabalho (SST) focava-se predominantemente em riscos físicos e ergonômicos. No entanto, a crescente prevalência de transtornos mentais relacionados ao trabalho exige uma reavaliação e expansão dessa perspectiva.
A atualização da Norma Regulamentadora nº 01 (NR-1) no Brasil representa um marco significativo, ao incluir explicitamente os fatores de riscos psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Esta mudança não é apenas uma formalidade legal, mas um reconhecimento da complexidade do ambiente de trabalho moderno e de seu impacto direto na saúde mental dos colaboradores.
Este artigo aprofundará as recentes alterações da NR-1, definirá os riscos psicossociais sob a ótica de organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), e explorará as implicações práticas para as empresas na gestão da saúde mental ocupacional, considerando o cenário de implementação em 2025 e 2026.
A Atualização da NR-1 e a Inclusão dos Fatores de Riscos Psicossociais:
Um Marco Regulatório
Contexto da Alteração
A Portaria MTE nº 1.419/2024, publicada em 27 de agosto de 2024, alterou o capítulo 1.5 da Norma Regulamentadora nº 01 (NR-1), integrando expressamente os fatores de risco psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Esta alteração é fruto de três anos de discussões no Grupo de Estudos Tripartite (GET) da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A inclusão desses riscos na NR-1 destaca a crescente importância da saúde mental no ambiente de trabalho, conforme apontado por especialistas.
Obrigatoriedade e Fases de Implementação
Originalmente, a partir de 26 de maio de 2025, a identificação e avaliação desses fatores se tornariam obrigatórias no inventário de riscos, ao lado dos riscos físicos, químicos, biológicos, de acidentes e ergonômicos. Contudo, em 16 de maio de 2025, o MTE, por meio da Portaria nº 765/2025, anunciou que a inclusão dos fatores de risco psicossociais no ambiente de trabalho, por meio do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), terá um caráter educativo e orientativo durante o primeiro ano. A autuação pela Inspeção do Trabalho com a aplicação de penalidades começará apenas em 25 de maio de 2026.
A fase educativa e orientativa da NR-1 até 2026 reflete uma compreensão, por parte do MTE, da complexidade e da curva de aprendizado que as empresas enfrentarão para implementar a gestão de riscos psicossociais. A inclusão de riscos psicossociais representa uma mudança paradigmática que exige novas competências, ferramentas e uma reorientação cultural das empresas. Se a fiscalização fosse imediata e punitiva, muitas organizações, especialmente as de pequeno e médio porte, poderiam enfrentar dificuldades intransponíveis, levando a uma não conformidade generalizada. Ao oferecer um período educativo, o MTE demonstra uma abordagem estratégica que visa a adesão gradual e sustentável, permitindo que as empresas se organizem, busquem informações qualificadas e desenvolvam suas capacidades internas. Isso indica que o governo prioriza a educação e a conscientização sobre a punição inicial, reconhecendo a necessidade de tempo para a adaptação cultural e operacional, o que pode levar a uma implementação mais efetiva e duradoura.
Suporte e Orientação do MTE
Para auxiliar as empresas nesse processo de adaptação, o MTE lançou o “Guia de Informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho”, disponível em seu site oficial. Além disso, será criada uma Comissão Nacional Tripartite Temática para acompanhar a implementação da norma, com participação de representantes do Governo, das entidades sindicais e do setor empresarial.
A criação de uma Comissão Nacional Tripartite Temática para acompanhar a implementação da norma indica um compromisso com a construção de políticas públicas de SST que sejam colaborativas e representativas. A participação de representantes do Governo, entidades sindicais e setor empresarial nesta comissão reflete uma abordagem de governança compartilhada. Este modelo tripartite é crucial para garantir que a norma seja implementada de forma pragmática,ando as realidades, desafios e perspectivas de todos os stakeholders. Uma abordagem colaborativa tende a gerar maior legitimidade e adesão, mitigando resistências e promovendo soluções mais eficazes e equitativas no longo prazo, ao invés de uma imposição unilateral. Isso pode resultar em um modelo de regulamentação mais adaptativo e responsivo às necessidades do dinâmico mercado de trabalho brasileiro.
Integração no PGR
A NR-1 enfatiza a necessidade de incluir esses fatores no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), reforçando a importância da prevenção de doenças ocupacionais e promoção da saúde do trabalhador. A norma ISO 45003:2021, que oferece orientações sobre gestão de riscos psicossociais e promoção do bem-estar no trabalho, pode ser utilizada como diretriz para o cumprimento dos itens 1.5.3.1.4 e 1.5.3.2.1 do Capítulo 1.5 da NR-1. A ISO 45003:2021 é a primeira norma global focada na gestão da saúde mental no trabalho, complementando a ISO 45001 e promovendo um avanço importante no cuidado com os colaboradores.
Definição e Classificação dos Riscos Psicossociais:
Um Olhar Abrangente
Conceituação por Organismos Internacionais
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que os fatores psicossociais no trabalho são suscetíveis de influenciar a saúde dos trabalhadores, o rendimento e a satisfação no trabalho. Consistem, por um lado, na interação entre o ambiente, conteúdo, natureza e as condições de trabalho, e por outro, nas capacidades, necessidades, cultura e condições de vida do trabalhador fora do trabalho. A OIT (1984) também adota a concepção de risco psicossocial como um dano à integridade física ou mental de um trabalhador, seja na forma de transtorno, doença, lesão ou acidentes de trabalho.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alinha-se a essa visão, destacando a necessidade de se criar ambientes laborais mais inclusivos e protetivos, especialmente quanto aos fatores psicossociais que impactam na saúde dos trabalhadores. As diretrizes publicadas em 2022 pela OMS e OIT reforçam a importância de ações concretas por parte de governos, empregadores e trabalhadores para enfrentar rotinas insalubres e outros fatores que geram angústia no trabalho.
Fatores Comuns de Riscos Psicossociais Identificados
Os riscos psicossociais referem-se a fatores organizacionais e ambientais que podem impactar negativamente a saúde mental dos trabalhadores. Eles resultam de um desequilíbrio entre as exigências da função, os recursos oferecidos pela empresa e a capacidade do trabalhador de lidar com essas condições. A exposição a esses fatores pode ter impacto direto no funcionamento saudável das pessoas, tanto a nível orgânico, emocional, cognitivo, social, como comportamental. Entre os mais destacados, incluem-se:
Sobrecarga de Trabalho: Engloba o excesso de carga horária, sobrecarga de trabalho mental e físico, ritmo de trabalho intenso, prazos irreais, jornadas exaustivas e ausência de pausas. A sobrecarga constante pode levar ao estresse crônico e ao esgotamento.
Assédio e Violência: Inclui assédio moral e sexual, e violência no trabalho. O assédio moral é percebido como uma perseguição metodicamente organizada e prolongada, visando atingir a personalidade, dignidade ou integridade psíquica do trabalhador, criando um ambiente hostil.
Falta de Autonomia e Controle: Caracteriza-se pela baixa participação na tomada de decisões que afetam o trabalhador e pela falta de controle sobre a forma como o trabalho é executado. A ausência de autonomia pode gerar sentimentos de impotência e frustração.
Comunicação Ineficaz e Relações Interpessoais Problemáticas: Manifesta-se por conflitos constantes, falta de apoio da liderança ou dos colegas, e um ambiente de trabalho hostil ou tóxico. A qualidade das relações interpessoais é um pilar fundamental para o bem-estar.
Insegurança no Emprego e Instabilidade Organizacional: Refere-se à precariedade laboral e à instabilidade dentro da organização. A incerteza sobre o futuro profissional pode gerar ansiedade e estresse significativos.
Monotonia e Falta de Reconhecimento: A ausência de desafios, a repetição de tarefas e a falta de reconhecimento pelo trabalho realizado podem levar à desmotivação e ao esvaziamento do sentido do trabalho.
Desequilíbrio entre Vida Pessoal e Profissional: A dificuldade em conciliar as demandas do trabalho com as necessidades da vida pessoal e familiar, incluindo jornadas prolongadas sem pausas adequadas.
A compreensão desses fatores é crucial para que as organizações possam desenvolver estratégias eficazes de prevenção e promoção da saúde mental, indo além da mera conformidade legal para construir ambientes de trabalho verdadeiramente saudáveis e produtivos.
Essas atualizações refletem o compromisso do MTE em promover um ambiente de trabalho mais saudável, com um período de adaptação para que as empresas possam se adequar às novas exigências. A colaboração entre governo, trabalhadores e empregadores será fundamental para o sucesso dessa implementação. Você gostaria de aprofundar em algum desses pontos, ou discutir as estratégias que as empresas podem adotar para se preparar para as autuações a partir de 2026? Entre em contato!
Rafaela Ussier - Psicóloga do Trabalho
CRP 06/119822





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